"Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada..."
É uma kitinete, e assim eu prefiro chamar. Afinal, um lugar como esse, tão apertadinho, não poderia ter outro nome. Mas teto, ah, isso tem... E sou eu quem dou. E tem outras coisas também: amor, carinho, cuidado, zelo....
E pensar quanta coisa você já passou na sua kitinete héin???? Lembra quando apareceu por aqui e eu ainda não tinha notado sua presença???? Só de lembrar já me dá calafrios: os pulos na piscina, a peça de teatro em que eu literalmente me "jogava" como atriz, uma cervejinha aqui e um champagne ali...
Depois, quando eu descobri que você existia e "alugava" a minha kitinete, eu tentei te proteger de tudo e de qualquer perigo. Tinha medo de espreguiçar, de correr na rua e machucar você, de um esbarrão... Mas essa foi uma fase curta, até eu me adaptar.
Depois, quando eu já estava acostumada à sua presença, você foi comigo trabalhar. E quanta coisa, nessa vida louca de repórter, nós enfrentamos juntos héin???
...A virada do ano (até às quatro da manhã) nas praias de Salvador (aguentando bêbados chatos que queriam aparecer na TV)...
...No primeiro dia do ano subimos juntos num praticável que ficava "nas alturas" (deu tanto medo de cair) só para fazer uma entrada ao vivo no jornal...
...Teve também a reportagem do golfinho, quando fomos parar em alto mar num barquinho minúsculo, cheio de gente e ainda por cima sem colete salva-vidas...
...Me lembro de um casamento em pleno show no Pelourinho. Estava lotado, um empurra-empurra danado e aquela fumaça de maconha que me deixou até zonza...
...Por falar em empurra-empurra, foram tantos que nem consigo lembrar de todos. Teve a abertura do carnaval que fomos cobrir, o Festival de Verão de Salvador, shows e ensaios de carnaval, micareta de Arembepe (BA), aquelas entrevistas em que um monte de fotógrafo, cinegrafista e repórter pula em cima de alguém (casos maiores, como escândalos), e até lançamento de comitê de campanha de político. Num deles, foi tanto empurra-empurra que o assistente da equipe vinha atrás me protegendo, como se fosse um segurança... Para se ter uma idéia da confusão no local, uma porta de vidro foi ao chão!!! Por pouco não nos atingiu...
...E quando a gente caiu na cova do cemitério? O pé afundou naquele monte de terra nojento, fedido e contaminado por necro-chorume...Até chorei pensando nas inúmeras bactérias e se aquilo poderia fazer mal a você...
...Cenas de crime??? Você, infelizmente, viu várias... Não fomos poupados!
...Até manifestação contra a violência, em que a população ateou fogo em entulho e fechou a pista, nós enfrentamos... Era tanta fumaça que até os colegas de imprensa que estavam no local ficaram horrorizados por estarmos lá...
...Enfrentamos também gente mal educada, mal humorada e sem um pingo de bom senso... Caso de uma p!@#$%^&*, que nos negou uma cadeira para sentar em um show no Teatro Castro Alves. Só de lembrar da voz dela dizendo: "Você não pode ficar sentada aí. Eu preciso dessa cadeira", me dá náuseas. A safada me pediu a cadeira e não sentou! Pode???? Mas a hora dela vai chegar, isso vai...
Pois é, trabalhar na rua, subindo e descendo ladeira, não é fácil...
Citei maus bocados, mas também tivemos muuuuuitos bons momentos.
A equipe (cinegrafista e auxiliar) sempre paparicando, protegendo e cuidando...O carinho de alguns entrevistados... bons entrevistados (o mais recente deles Frank Sinatra Jr), boas reportagens!!!
Fora o trabalho, nós também vivemos todo tipo de situação:
...Fizemos hidroginástica durante todo este tempo...
...Viajamos de carro e avião para visitar os familiares (três vezes para BH e uma para Arapiraca)...
...Fizemos muitas farras gastronômicas (uma delas com direito a uma brava dor de barriga)...
...Passamos bons fins de semana em casas de amigos...
...Cozinhamos juntos (eu até me arriscaria a dizer que você é um mini-chefe por conta disso)...
...Fizemos aulas de inglês...
...Enfrentamos o desespero da reforma no apartamento (pintor + marceneiro + eletricista + pedreiro = bagunça, bagunça, bagunça total!!!)...
...Teve também duas queimaduras de leve na sua "kitinete", lembra??? Foi quando eu me encostei na panela quente. Mas nada que deixasse marcas...
...Sobe e desce em escada para arrumar armários e botar a casa em ordem...
...A loucura do trânsito de Salvador...
...Longas filas em supermercado e gente que não respeita caixa prioritário...
...E até uma crise de choro no aeroporto, quando a gente perdeu o vôo de volta a Salvador...Eu chorava feito uma criança (até soluçava) e nem me importava se alguém estava olhando...
...Teve também alguns momentos de stress e hormônio alterado...
...O apoio e o carinho de amigos e familiares...
...E muuuuuitos momentos de felicidade!!!
Foram tantas coisas que você enfrentou aqui dentro que posso dizer: Samuel, você é um guerreiro!!! Foi (e tem sido) um inquilino de ouro!!!.
Não me deu trabalho, não me causou enjôos, não me deu cansaço... Só trouxe alegria a minha vida! Posso dizer que sou uma mulher realizada por ter você, esse pedacinho de gente, aqui dentro de mim!
Agora só consigo pensar em você. Estamos juntos, na reta final para você deixar a
sua kitinete...Me assusto ao pensar como vai ser o mundo para você aqui fora. Será que vou conseguir protegê-lo?? Prefiro pensar positivo, e imaginar apenas flores no seu caminho!
Neste sábado (2 agosto) você irá completar 40 semanas (ou 9 meses completos) aqui dentro!!! Mas acho que você está gostando dessas nossas aventuras, afinal, até agora nem sinal de querer sair!!!
Sua avó Valéria chega nesta sexta-feira. O meu temor era que você viesse antes dela chegar! Será que você está só esperando por ela???
Eu bem queria que você nascesse em Minas, mas pelo fato de querer parto normal achei que seria complicado. Teria que sair de licença bem antes. E prefiro todo o meu tempo disponível para quando você estiver ao meu lado.
Tenho rezado para que tudo dê certo e você venha de parto normal. Nesta sexta (01/08) vou ver você pelo ultra-som. Vamos ver o que vai dar....A ansiedade para saber como está, o seu peso e uma previsão para o nascimento (que segundo os médicos é sábado ou domingo) é grande!!!
Enquanto isso, continuo minha vida normalmente: dirigindo, indo ao supermercado, cozinhando, cuidando das coisas de casa e trabalhando (para espanto de muita gente). O fato é que estou bem, e não vejo motivos para parar. Gravidez não é doença, apenas exige mais cuidados (é claro que eu tomo os devidos cuidados)!!!
Ah, e os colegas do trabalho já estão fazendo até bolão, para apostar quando você nasce. As datas?? Tem várias, mas tem gente apostando até dia 12 (o que eu acho difícil)...
Bom, escrevi tanto aqui... No fim de tudo, só quero dizer:
Samuel, meu filho,
Você é uma luz na minha vida e está chegando para completar a minha felicidade (e a de seu pai, é claro).
Quero tanto ver seu rostinho, tocar sua pele e ter você ao meu lado...
Olhar bem e de repente ficar pensando: com quem se parece? Vai gostar de quê? O que vai ser? Como vai ser???
Mas, neste momento, só importa saber: a mamãe te ama muito e está esperando por você com todo amor e carinho. Vou lhe ensinar os caminhos, cuidar de você e prepará-lo para este novo mundo que lhe espera! Que você venha em tempos de paz, de campos floridos, de amor ao próximo e respeito à vida!
Verbo Ser - Carlos Drummond de Andrade
"Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer "